Estudo mostra que política também está em campo quando o assunto é futebol
Há 40 anos, esse era o jingle que estava na boca de todo brasileiro. A música ficou marcada como um instrumento de exaltação aos avanços que a ditadura militar trouxe ao país. Euclides Couto é um historiador que pesquisou o uso do futebol como uma arena de manifestações políticas que vão além da apropriação pelo Estado. Na Copa de 2010, política e futebol entram em campo para mostrar que, mais do que festa e alegria, lutas e interesses também estão em jogo.
Holofotes acesos
A Federação Internacional de Futebol (FIFA) realiza copas do mundo desde 1930. O evento já viajou por 18 países em todo o mundo, mas é a primeira vez que uma Copa é sediada por um país africano. A África do Sul é conhecida mundialmente pelo apartheid, o regime de segregação racial que perdurou por 42 anos. Para a professora Rosália Diogo, que pesquisou sobre questões raciais na publicidade e integra o coletivo Negraria de combate ao racismo, o significado político dessa Copa é muito grande. “Estamos aglomerando várias etnias de todo planeta num continente que é o mais pobre do mundo, que mais teve pessoas escravizadas. É um terreno propício para que as pessoas e, sobretudo os africanos, usem politicamente para colocar suas questões”, afirma.
Holofotes acesos
A Federação Internacional de Futebol (FIFA) realiza copas do mundo desde 1930. O evento já viajou por 18 países em todo o mundo, mas é a primeira vez que uma Copa é sediada por um país africano. A África do Sul é conhecida mundialmente pelo apartheid, o regime de segregação racial que perdurou por 42 anos. Para a professora Rosália Diogo, que pesquisou sobre questões raciais na publicidade e integra o coletivo Negraria de combate ao racismo, o significado político dessa Copa é muito grande. “Estamos aglomerando várias etnias de todo planeta num continente que é o mais pobre do mundo, que mais teve pessoas escravizadas. É um terreno propício para que as pessoas e, sobretudo os africanos, usem politicamente para colocar suas questões”, afirma.
Rosália acredita que é a primeira vez que dilemas políticos e sociais próprios da África do Sul, antes silenciados, ganham visibilidade a partir do futebol. Ela afirma que o esporte– o mais popular do mundo – tem o potencial de atrair as discussões acerca de temas delicados para a humanidade. Isso se revela tanto dentro das quatro linhas do campo, quanto fora dos gramados. Para Rosália, a própria forma de comemoração de gols por jogadores de outros continentes – com danças que remetem à cultura africana – é uma forma de manifestar solidariedade a um passado de exclusão que tem reflexos no presente. Para fora dos estádios, a pesquisadora aponta a quantidade de material produzido pelos veículos midiáticos sobre o apartheid e a luta de Nelson Mandela. “Somente agora, as grandes emissoras contam para o restante da humanidade quem foi Nelson Mandela e a sua trajetória”, destaca. A própria abertura da Copa, com música de Miriam Makeba – a Mama África, reconhecida por ser uma ativista na luta pela igualdade racial – tem, para a pesquisadora, grande significado simbólico.
Jogada de interesse
O historiador Euclides de Freitas Couto, que defendeu em 2009 a tese de doutorado Jogo de Extremos: futebol, cultura e política no Brasil, concorda que um evento dessa magnitude no país do apartheid tem a função política de contribuir para a formação de uma unidade nacional na África do Sul. A Copa organiza um discurso de auto-legitimação, após quatro décadas de identificação dos sul-africanos como um povo dividido, desunido. Mas Euclides afirma que é preciso relativizar esse potencial político do evento. “O futebol não resolve o problema social, ele traz uma outra leitura da sociedade, mas não consegue apaziguar os conflitos. Eles continuam acontecendo”. Para além do esporte, os problemas de segregação racial permanecem, apesar do discurso midiático de convivência pacífica entre brancos e negros.
Em sua tese, o historiador mergulha na arena do futebol para pensar as questões sociais – e também raciais – do Brasil. Euclides recuperou estudos de Gilberto Freyre e Mário Filho, que tratam da construção de uma identidade nacional para o país. De acordo com o pesquisador, a partir da década de 30, o mestiço deixou de ser um traço que envergonha o povo brasileiro para se integrar a ele, associado a características peculiares como a docilidade, a malandragem e a esperteza. A mestiçagem trouxe também as marcas do futebol próprio do Brasil: alegre, moleque e imprevisível. Euclides destaca que o esporte construiu a figura de heróis nacionais negros, como Leônidas da Silva, Pelé e Garrincha. Mas ele acrescenta que essa construção histórica não significou, necessariamente, inclusão. Para ele, o negro foi incorporado como elemento constituinte da sociedade brasileira por suas características excepcionais, como a habilidade futebolística, mas permanece à margem de funções cotidianas, vistas ainda como atividades de brancos, como a medicina e o direito, por exemplo.
Lançando o olhar sobre a Copa atual, o pesquisador destaca a necessidade de se pensar o evento (e todos os discursos políticos de pacifismo dele decorrentes) como uma construção midiática e governamental, que parte de cima para baixo e não dos próprios sul-africanos. Para ele, a questão atual se insere mais em um contexto de mostrar para o exterior os avanços do próprio país do que buscar, por meio do futebol, resolver ou questionar os problemas que ainda existem na África. “A Copa do Mundo se torna esse momento de auto-afirmação, de mostrarem muito mais pra fora que a coisa está resolvida. Isso tem a ver também com o capitalismo. A África do Sul é um país que possui campo muito interessante para investimento”, destaca.
Correndo por fora
Segundo ele, isso se difere do que aconteceu com o Brasil na Copa de 1978, por exemplo. Apesar de o regime militar se apropriar do futebol brasileiro para transmitir a imagem de um país que vai pra frente, algumas manifestações que partiam dos próprios jogadores mostravam o contraponto e inseriam na arena do próprio campo de futebol as discussões políticas silenciadas pela censura. Euclides analisou de perto casos como o do jogador Reinaldo de Lima, na Copa de 1978. Devido a sua postura de contestação à ordem vigente, por muito pouco ele não viajou para a Argentina, país-sede da Copa. Reinaldo foi alertado pelo então presidente General Ernesto Geisel a não se manifestar politicamente em campo. Ignorando o alerta, o jogador comemorou seu primeiro gol de punhos cerrados, um gesto que remetia ao movimento dos panteras-negras e que, para Reinaldo, tinha vários sentidos – inclusive o de se posicionar contra o regime autoritário.
Correndo por fora
Segundo ele, isso se difere do que aconteceu com o Brasil na Copa de 1978, por exemplo. Apesar de o regime militar se apropriar do futebol brasileiro para transmitir a imagem de um país que vai pra frente, algumas manifestações que partiam dos próprios jogadores mostravam o contraponto e inseriam na arena do próprio campo de futebol as discussões políticas silenciadas pela censura. Euclides analisou de perto casos como o do jogador Reinaldo de Lima, na Copa de 1978. Devido a sua postura de contestação à ordem vigente, por muito pouco ele não viajou para a Argentina, país-sede da Copa. Reinaldo foi alertado pelo então presidente General Ernesto Geisel a não se manifestar politicamente em campo. Ignorando o alerta, o jogador comemorou seu primeiro gol de punhos cerrados, um gesto que remetia ao movimento dos panteras-negras e que, para Reinaldo, tinha vários sentidos – inclusive o de se posicionar contra o regime autoritário.
O estudo de Euclides Couto não nega a apropriação do futebol – e sobretudo de grandes eventos, como as Copas do Mundo – pelo Estado, mas amplia esse espaço de manifestação para englobar atitudes como as do jogador. “Essa visão de que o futebol é ópio do povo tem que ser redimensionada a partir do momento em que se vê que também diversos atores se utilizam do futebol para promover o seu discurso, falar sobre as suas contestações, suas questões. Temos que ver o futebol como um campo privilegiado do debate político”, afirma.
Jogadores usam os gramados para se manifestarem contra a desigualdade racial